Cinco Grandes Equívocos Aceitáveis Sobre Evolução

Boa parte da razão dos argumentos criacionistas contra a evolução poderem ser tão persuasivos é por não lidarem com evolução, mas em vez disso argumentarem contra uma série de noções equivocadas que as pessoas estão certas em considerarem ridículas. Os criacionistas erroneamente crêem que seu conhecimento sobre evolução é o que a teoria diz realmente, e querem baní-la. Mas na verdade, eles nem mesmo tocaram no assunto de evolução.

(a situação em geral não melhora com a educação científica de baixa qualidade. Até mesmo muitos calouros nas faculdades de Biologia não entendem a teoria da evolução.)

As cinco proposições abaixo parecem ser os equívocos mais comuns baseados numa versão espantalho criacionista da evolução. Se você ouvir alguém fazendo qualquer uma delas, há excelentes chances dessa pessoa não conhecer suficientemente sobre a verdadeira teoria da evolução para formar uma opinião instruída:
A evolução nunca foi observada.
A evolução viola a 2ª Lei da Termodinâmica.
Não há fósseis transicionais.
A teoria da evolução diz que a vida surgiu, e prosseguiu evoluindo por acaso.
A evolução é apenas uma teoria, nunca foi provada.

Abaixo se explica o porquê dessas afirmações estarem erradas. De forma breve e em algo simplificada; consulte as referências indicadas ao final para maior aprofundamento.

“A evolução nunca foi observada”.

Os biólogos definem a evolução como a mudança no conjunto de genes de uma população ao decorrer do tempo. Um exemplo é o dos insetos desenvolvendo resistência a pesticidas num período de poucos anos. Mesmo a maioria dos criacionistas reconhece que a evolução nesse nível é um fato. O que eles não reconhecem é que essa taxa de evolução é o bastante para produzir toda diversidade de todos os seres vivos a partir de um ancestral comum.

A origem de novas espécies pela evolução também foi observada, tanto em laboratório quanto na natureza. Veja, por exemplo Weinberg, J.R., V.R. Starczak, and D. Jorg, 1992, "Evidence for rapid speciation following a founder event in the laboratory." Evolution 46: 1214-1220. A seção "Observed Instances of Speciation" (“Ocorrências de especiação observadas”), nos arquivos do talk.origins, apresenta vários exemplos adicionais.

Mesmo sem essas observações diretas, seria um engano dizer que a evolução não foi observada. A evidência não é limitada a ver algo acontecendo diante de seus olhos. A evolução permite fazer previsões sobre o que nós esperaríamos ver no registro fóssil, anatomia comparada, seqüências genéticas, distribuição geográfica de espécies, etc., e essas previsões foram verificadas diversas vezes. O número de observações corroborando a evolução é arrebatador.

O que não foi observado é um animal abruptamente transformando-se em um outro radicalmente diferente, como um sapo transformando-se em uma vaca. Isso não é um problema para a evolução pois não é proposto nada nem remotamente parecido com isso. Na verdade, se alguma vez observássemos um sapo transformar-se numa vaca, isso seria uma evidência muito forte contra a evolução.
“A evolução viola a 2ª Lei da Termodinâmica.”

Isso demonstra mais desconhecimento sobre termodinâmica que sobre evolução. A segunda lei da termodinâmica diz: "Não é possível um processo cujo único resultado seja a transferência de energia de um corpo mais frio para outro mais quente" [Atkins, 1984, The Second Law, pg. 25]. Você deve estar coçando sua cabeça e imaginando o que isso tem a ver com evolução. A confusão começa quando a segunda lei é colocada de maneira equivalente: "a entropia de um sistema fechado não pode diminuir". Entropia é uma indicação de energia inutilizável e geralmente (mas não sempre) corresponde às noções intuitivas de desordem e aleatoriedade. Criacionistas então interpretam erroneamente a segunda lei dizendo que as coisas invariavelmente progridem da ordem à desordem.

De qualquer forma, eles negligenciam o fato de que a vida não é um sistema fechado. O sol provê energia mais que suficiente. Se um tomateiro maduro pode ter mais energia utilizável que a semente da qual ela cresceu, por que alguém deveria esperar que a próxima geração de tomates também não pudesse ter mais energia utilizável? Criacionistas às vezes tentam contornar isso afirmando que a informação carregada pelos seres vivos os permite criar ordem. De qualquer modo, não apenas a vida é irrelevante para a segunda lei, mas ordem vinda da desordem é comum em sistemas não-vivos também. Flocos de neve, dunas de areia, tornados, estalactites, gradações de leitos fluviais, e relâmpagos são apenas alguns exemplos de ordem proveniente de desordem na natureza; nenhum requer um programa inteligente para alcançar tal ordem. Em qualquer sistema de alguma importância com um elevado fluxo de energia, você quase certamente encontrará ordem surgindo em algum lugar no sistema. Se a ordem vinda da desordem violasse a segunda lei da termodinâmica, por que seria um fato tão comum na natureza?

O argumento da termodinâmica contra a evolução mostra conhecimento equivocado tanto sobre evolução quanto sobre termodinâmica, já que um entendimento claro do funcionamento da evolução deveria revelar grandes falhas nesse argumento. A evolução diz que os organismos reproduzem-se com apenas pequenas mudanças entre as gerações (a prole é do mesmo tipo, pode-se dizer). Por exemplo, animais poderão ter membros um pouco mais longos ou curtos, finos ou grossos, claros ou escuros, que os de seus pais. Ocasionalmente, a mudança poderá levar a ter quatro ou seis dedos em vez de cinco. Uma vez que as diferenças aparecem, a teoria da evolução diz que poderá haver diferenciação no sucesso reprodutivo. Por exemplo, talvez animais com membros longos sobrevivam de forma a ter prole mais numerosa que indivíduos de membros mais curtos. Todos esses processos podem ser observados hoje. Eles obviamente não violam nenhuma lei da física.
“Não há fósseis transicionais”.

Um fóssil transicional parece ser de um organismo intermediário entre duas linhagens, por ter algumas das características da linhagem A, e algumas das características da linhagem B, e provavelmente algumas características entre as duas. Fósseis transicionais podem ocorrer entre grupos de qualquer nível taxonômico, como espécies, ordens, etc. Idealmente, o fóssil transicional deverá ser encontrado entre os estratos da primeira ocorrência da linhagem ancestral e a primeira ocorrência da linhagem descendente, mas a evolução também prevê a ocorrência de alguns fósseis com morfologia transicional ocorrendo depois das duas linhagens. Não há nada na história da evolução que diz que uma forma intermediária (ou qualquer organismo, que é o que importa) pode ter apenas uma linha de descendentes, ou que a própria forma intermediária tem que se extinguir quando evolui uma linha de descendentes.

Dizer que não há fósseis transicionais é simplesmente falso. A Paleontologia tem progredido um pouquinho desde que "A origem das espécies" foi publicado, descobrindo milhares de fósseis transicionais, tanto por definições restritivas temporalmente quanto por menos restritivas. No registro fóssil permanecem lacunas, e sempre haverá; erosão e a raridade das condições favoráveis para fossilização tornam isso inevitável. Também, transições podem ocorrer em uma pequena população, em uma pequena área e/ou em um período relativamente curto de tempo; quando temos qualquer uma dessas condições, as chances de se encontrar os fósseis transicionais cai. Ainda assim, há muitas instâncias em que existem excelentes seqüências de fósseis transicionais. Alguns exemplos notáveis são as transições de réptil a mamífero, de animais terrestres para baleias primitivas, e dos ancestrais humanos ao homem. Para muitos outros exemplos, veja as perguntas freqüentes sobre fósseis transicionais (”the transitional fossils FAQ”) nos arquivos do talk.origins, e veja talk.origins newsgroup para imagens de alguns grupos de invertebrados.

A noção enganosa da inexistência de fósseis transicionais é perpetuada em parte por um modo comum de se pensar sobre categorias. Quando as pessoas pensam sobre categorias como “cão” ou “formiga”, freqüentemente acredita-se de forma subconsciente que há limitações bem definidas ou que são formas imutáveis ideais (para filósofos, o ideal platônico) que definem as categorias. Essa linha de pensamento leva as pessoas a declararem que Archaeopteryx é “100% ave”, quando é claramente uma mistura de características de aves e répteis (de fato até com mais características reptilianas do que avianas). Na verdade, as categorias são feitas pelo homem e artificiais, a natureza não se restringe a seguí-las, e não as segue.

Alguns criacionistas afirmam que a hipótese do equilíbrio pontuado foi proposta (por Eldredge e Gould) para explicar as falhas no registro fóssil. Na verdade, foi proposta para explicar a relativa raridade de formas transicionais, não sua ausência total, e para explicar porque a especiação parece ocorrer relativamente rápido em alguns casos, gradualmente em outros, e não ocorrer em alguns períodos em algumas espécies. De forma alguma se nega que fósseis transicionais existem. O fato é que tanto Gould quanto Eldredge são oponentes declarados do criacionismo.

"Mas os paleontologistas descobriram ótimos exemplos de formas intermediárias e seqüenciais, mais que o suficiente para convencer qualquer cético imparcial da realidade da genealogia concreta da vida."

Stephen Jay Gould, na Natural History, maio de 1994.
“A teoria da evolução diz que a vida surgiu, e prosseguiu evoluindo por acaso”.

Provavelmente não há outra declaração que seja melhor indicação que o argumentador não compreende evolução. A sorte certamente tem seu lugar na evolução, mas esse argumento ignora completamente a participação da seleção natural, e seleção é extremamente oposto à aleatoriedade. A aleatoriedade, na forma de mutações, gera variação genética, o que é o material bruto sobre o qual trabalha a seleção natural. Daí, a seleção natural separa determinadas variações. Aquelas que conferem maior sucesso reprodutivo ao seus portadores (e a aleatoriede assegura que algumas mutações benéficas serão inevitáveis) são mantidas, e as variações menos bem sucedidas são removidas. Quando o ambiente muda, ou quando os organismos mudam para um ambiente diferente, diferentes variações são selecionadas, levando eventualmente a diferentes espécies. Mutações nocivas usualmente desaparecem rapidamente, então elas não interferem no processo de acúmulo de mutações benéficas.

A abiogênese (a origem da vida) também não é devida puramente ao acaso. Átomos e moléculas arranjam-se não de maneira aleatória, mas de acordo com suas propriedades químicas. No caso de átomos de carbono especialmente, isso significa que moléculas complexas certamente formam-se espontaneamente, e elas podem influenciar umas às outras a criar ainda mais moléculas complexas. Uma vez que se forma uma molécula que é aproximadamente auto-replicante, a seleção natural irá guiar a formação de replicadores cada vez mais eficientes. O primeiro objeto auto-replicante não precisa ser tão complexo quanto a célula moderna ou mesmo uma estrutura de DNA. Algumas moléculas auto-replicantes realmente não tem toda essa complexidade (como as moléculas orgânicas).

Algumas pessoas ainda argumentam que é tremendamente improvável para uma determinada molécula auto-replicante formar-se em determinado ponto (apesar deles não declararem essas especificidades, elas estão implícitas nos cálculos). Isso é verdade, mas havia oceanos de moléculas trabalhando no problema, e ninguém sabe quantas possíveis moléculas auto-replicantes poderiam ter sido a primeira, Um cálculo das improbabilidades da abiogênese é insignificante a menos que reconheça a imensa amplitude de materiais iniciais da qual o primeiro replicador pode ter se formado, as inúmeras prováveis formas diferentes que o primeiro replicador poderia ter tido, e o fato de muito da construção da molécula auto-replicante ter sido não-aleatório para começar.
“A evolução é apenas uma teoria, nunca foi provada.”

Primeiro, devemos clarificar o que “evolução” significa. Como tantas outras palavras, tem mais de um significado. Sua definição estritamente biológica é “a mudança de freqüências dos alelos no decorrer do tempo”. Por essa definição, a evolução é um fato incontestável. A maioria das pessoas parece associar “evolução” principalmente com ancestralidade comum, a teoria de que toda a vida originou-se de um mesmo descendente. Muitas pessoas acreditam que há evidência para chamar isso de fato, também. De qualquer modo, ancestralidade comum ainda não é a teoria da evolução, mas apenas uma fração disso (e parte de várias teorias bem diferentes também). A teoria da evolução não apenas diz que a vida evoluiu, mas também inclui mecanismos, como mutações, seleção natural, e deriva genética, nas explicações de como a vida evoluiu.

Chamar a teoria da evolução de “apenas uma teoria” é, estritamente falando, verdadeiro, mas a idéia que isso tenta passar é completamente errada. O argumento apóia-se numa confusão entre o que “teoria” significa no uso informal e em um contexto específico. Uma teoria, no sentido científico, é "um coerente grupo de proposições gerais usado como princípios de explicações para uma classe de fenômenos" [Random House American College Dictionary]. O termo não implica em caráter provisório ou falta de certeza. Geralmente teorias científicas diferem de leis científicas apenas pelas leis poderem ser expressas mais brevemente. Em ser uma teoria implica-se autoconsistência, concordância com as observações, e utilidade.

(O criacionismo falha em ser uma teoria principalmente pelo último ponto: faz poucas ou nenhuma previsão do que se esperaria encontrar, então não pode ser utilizado para nada. No que faz previsões falseáveis, elas provam ser falsas.)

Falta de provas não é uma fraqueza, também. Pelo contrário, alegar infalibilidade para uma conclusão é um sinal de extrema arrogância. Nada no mundo real foi alguma vez rigorosamente provado, nem algum dia será. Prova, no sentido matemático, é possível apenas se você tem o luxo de definir o universo em que você está operando. No mundo real, devemos lidar com níveis de certeza baseados em evidência observada. Quanto melhor a evidência que tivermos para algo, mais certeza damos a isso; quando há evidência suficiente, consideramos algo como um fato, ainda que não se tenha 100% de certeza.

O que a evolução tem é o que qualquer boa alegação científica tem — evidências, aos montes. A evolução é validada por uma vasta gama de observações nos campos da genética, anatomia, ecologia, comportamento animal, paleontologia, e outros. Se você deseja desafiar a teoria da evolução, você deve levar em conta essas evidências. Você deve saber se as evidências apontadas erroneamente são irrelevantes ou se elas se adequam melhor à outra teoria. Claro, para fazer isso, você deve conhecer tanto a teoria quanto suas evidências.
Conclusão

Esses não são os únicos equívocos sobre evolução, de maneira alguma. Outros enganos comuns incluem como a tecnologia de datação geológica funciona, implicações para a moralidade e religião, o significado de “uniformitarismo”, e muitas mais. Levar em conta todas essas objeções seria impossível.

Mas vejamos: há cerca de cem anos, cientistas, que eram então na maioria criacionistas, olharam para o mundo para tentar descobrir como Deus fez as coisas. Esses criacionistas chegaram a conclusões de uma Terra que já era antiga e de espécies se originando através da evolução. Desde então, milhares de cientistas têm estudado a evolução com ferramentas cada vez mais sofisticadas. Muitos desses cientistas têm excelente conhecimento das leis da termodinâmica, como fósseis são interpretados, etc., e encontrar uma alternativa melhor à evolução iria levá-los a fama e fortuna. Às vezes o trabalho deles desafia nossa compreensão de detalhes significantes de como a evolução opera, mas a teoria da evolução continua tendo essencialmente concordância unânime das pessoas que trabalham com ela.
Mark Isaak

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