Schopenahuer - O Ateísmo como verdadeira condição humana

Flávio Roberto Chaddad [1]

Estou lendo o livro “O desespero Humano”, de Sören Kierkegaarg. Este filósofo diz que, de forma geral, os únicos não desesperados, na face da Terra, são os cristãos. Para eles, a morte não seria o desespero. O desespero seria, por exemplo, a não crença na imortalidade, esta seria a doença. Mas o que temos a dizer disso? Será que o não desesperar pela crença em um outro mundo não seria, enfim, o próprio desespero, a procura que encontra seu ninho? Não seria a própria raiz do desespero? Contraditoriamente, isto é real! O medo, destas pessoas, pela morte e pela perda de individualidade, é o desespero. O desespero por um mundo em que não encontram uma explicação plausível do porque, num dado momento, como matéria, existimos, e, num outro, desaparecemos, levados pela poeira. É ai que reside o desespero e, a resposta a este desespero, são explicações irreais, ilusórias, um conforto metafísico, o grande remédio, chamado religião. Este é o grande ópio do povo. O remédio para o desespero. Não terminei de lê-lo, ainda estou nas primeiras páginas. 

Mas, o que tenho a dizer é que a religião é a criação de intelectuais para não intelectuais. O remédio para os desesperados. Mas, onde encontraríamos respostas para aquilo que nos consome, para a realidade? Seria apenas na religião que, como disse, não deixa de ser uma das faces do desespero? Sempre procuro pensar sobre isto e encontro resposta no ateísmo. A não crença, num primeiro momento, nos deixa mais que desesperados, angustiados, sem nenhum chão embaixo de nossos pés. Mas, com o passar do tempo, ela se solidifica ou se cristaliza no ateísmo e, este, nos remete para a realidade, para o mundo material, para a vida. Nos faz, então, entender que temos que lutar, que nascemos para brilhar, como disse Maiakovski, e não ficar esperando por um outro mundo, um paraíso platônico fora da Terra.

Um dos grandes filósofos, diga-se de passagem, libertário, que a prática das suas idéias nos permitem que vivamos a realidade como a verdadeira realização da condição humana é ARTHUR SCHOPENHAUER. Ele, dotado de uma visão materialista quanto à existência, nos acentua a precariedade da religião para explicar a realidade humana, faz afirmações sobre a essência do ser humano, deixando de lado a face espiritual da existência. Para ele, se o que faz a morte parecer tão assustadora é a idéia do não-ser, então deveríamos experimentar o mesmo temor diante do tempo em que ainda não éramos. Pois é incontestável que o não ser do depois da morte não pode ser diferente daquele anterior ao nascimento – ele não merece, portanto, ser mais lamentado. Toda uma infinidade de tempo fluiu quando ainda não éramos, mas isso não nos aflige de modo algum. Mas, ao contrário, o fato de após o intermédio momentâneo de uma existência efêmera uma segunda infinidade de tempo deva se seguir, na qual não seremos mais, para nós parece uma dura e até mesmo intolerável condição, principalmente, a aqueles que vivem uma vida cheia de contradições e imposições, sobretudo, pela sua condição de exclusão do sistema.

Sobre a existência da alma, este autor disserta que, no ser humano, a sua inteligência não é produto da alma, e sim de sua parte orgânica. Segundo afirma, o exame de um cadáver mostra que a sensibilidade, a irritabilidade, a circulação do sangue, a reprodução, cessam. O principio ativo que presidia suas funções, algo que sempre foi desconhecido, cessou de agir sobre este corpo e se afastou: isto conclui com segurança. Este princípio teria sido justamente o que conhecemos como simples consciência, portanto como inteligência (alma)? Esta seria uma conclusão injusta: não somente ilegítima, como de uma falsidade evidente. Com efeito, a consciência sempre se revelou, não como causa, mas como produto e resultado da vida orgânica, aumentando e diminuindo, em seguimento a esta, nas diferentes idades da existência, no estado de saúde e no de doença, no sono, no desmaio, no acordar.

Além destas afirmações sobre a impossibilidade da existência diante da morte, este autor nos diz que a indestrutibilidade do homem, sua capacidade de se manter, reside no puro e simples reciclar da matéria orgânica. Portanto, não há nada de metafísico ou extra-sensorial em sua composição, que o torne o mais próximo de Deus ou o abençoado por Ele. Sua condição de ser humano depende tão somente da classe que ocupa. Neste sentido, apesar da avareza, de grande parte da sociedade, os homens não são nada além do que lapsos na eternidade que varre e leva tudo. Tudo o que sobra deste ciclo de transformações, que se resume na vida e na morte, são as idéias e atos que desenvolvemos aqui na Terra e legamos para a posteridade. É na matéria que a há a indestrutibilidade do ser humano, na sua capacidade de se manter e se metamorfosear continuamente, sempre através de outros seres.

Em suas palavras, essa matéria, sem consciência de si, que agora está como pó e cinza, não tardará, uma vez dissolvida na água, a se tornar cristal; ela brilhara como metal, depois soltará faíscas elétricas, exteriorizará com sua tensão galvânica uma força assaz potente para decompor as combinações mais resistentes, para reduzir terra a metal; ela se metamorfoseará por si mesma em planta e animal, e de seu seio cheio de mistérios se desenvolverá aquela vida, da qual a perda vos perturba tão angustiosamente, em razão de vossa natureza “ilimitada” – grifo meu. Portanto, o ser humano nada mais é para Schopenhauer do que matéria e consciência, ambas desintegradas após o ciclo da vida que se dá após a morte, como ocorre com todos os animais. É nestes dizeres que se percebe como Schopenhauer montou sua filosofia em cima do principio ecológico e natural da ciclagem, do ciclo da vida. Portanto, ele foi, ou pode ser considerado, um dos primeiros ecologistas que surgiu. Neste sentido, ele afirma que sempre e por toda parte o verdadeiro símbolo da natureza é o círculo, porque ele é o esquema do retorno: com efeito, esta é a forma mais geral na natureza, a mais observada em todas as coisas, desde o curso das estrelas, até a morte e nascimento dos seres orgânicos, e o único capaz, na torrente incessante do tempo e de seu conteúdo, de servir de fundamento a uma existência permanente, isto é, uma natureza.

Portanto, o ateísmo é a condição da realização crítica da consciência humana, a sua verdadeira capacidade filosófica. Quanto mais livres somos mais nos aproximamos dele. Segundo Nietzsche, as invenções autênticas dos fundadores de religião são, primeiramente, estabelecer um modo de vida e hábitos cotidianos determinados, que atuem como disciplina voluntatis (disciplina da vontade), em suas palavras, e, ao mesmo tempo, eliminem os sofrimentos e aborrecimentos dos homens aqui na Terra; em segundo lugar, oferecer a esta vida uma interpretação que glorifique esta regra como um objeto de mais alto preço que dele faça um bem supremo pelo qual se possa combater e, se necessário, dar a vida. Por estas duas condições, somada a visão utilitarista de natureza, percebe-se que a religião não liberta o homem, mas o acorrenta – o aprisiona. Termino aqui, este pequeno texto, com as palavras de Marx: em suas palavras, o homem faz a religião, mas a religião não faz o homem. A religião é a consciência de si e o sentimento de si que o homem ainda não conquistou, ou que já perdeu. É a realização fantástica da natureza humana, porque esta não tem realidade verdadeira. Lutar contra a religião é, por conseguinte, lutar indiretamente contra o mundo do qual a religião é um aroma espiritual. A miséria religiosa é, ao mesmo tempo, a expressão da miséria real. A religião é o suspiro da criatura atormentada. O coração de um mundo sem coração, como é o espírito de uma existência sem espírito. É o ópio do povo. O desaparecimento da religião como felicidade ilusória do povo é uma existência da felicidade real. Exigir que o povo renuncie às ilusões sobre sua condição é exigir que abandone uma condição que necessita de ilusões. A crítica das religiões é virtualmente a crítica do vale de lágrimas do qual a religião é a auréola. A crítica da religião esclarece o homem para que pense, aja e crie sua realidade, como homem esclarecido, dono de sua razão, a fim de que ele gire em torno de si mesmo, seu verdadeiro sol. 

[1]Graduado em Engenharia Agronômica (UNESP/Botucatu); Ciências Biológicas (UNIP/Bauru); Especialista em Educação Ambiental (UNESP/Botucatu) e Mestre em Educação pela PUC-Campinas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens Populares