Livre-arbítrio e Programação Cerebral

Se nossos atos são determinados por acontecimentos anteriores, então não temos escolha sobre nada - nem responsabilidade sobre o que fazemos?
por Shaun Nichols

Cientistas e filósofos estão convencidos de que não existe livre-arbítrio. De acordo com esses céticos, tudo o que acontece é determinado pelo que ocorreu antes - nossos atos são conseqüências inevitáveis de acontecimentos que culminaram com outro ato - e isso impede que possamos fazer as coisas de forma inteiramente livre. Esse tipo de atitude contra o livre-arbítrio remonta aos debates filosóficos do século 18, mas ultimamente a idéia ganhou mais destaque em artigos e livros científicos de penetração popular. Será que devemos dar atenção a essas questões? Se as pessoas chegarem a acreditar que não têm livre-arbítrio, quais serão as conseqüências para a responsabilidade moral e ética?



Em um brilhante estudo, os psicólogos Kathleen Vohs, da University of Minnesota e Jonathan Schooler, da University of Califórnia, em Santa Bárbara, testaram a questão utilizando trechos do conhecido livro de ciência The Astonishing Hypothesis (“Uma hipótese assustadora”), de Francis Crick - bioquímico ganhador do prêmio Nobel com James Watson, pela descoberta dupla hélice do DNA. Metade dos participantes recebeu um trecho que começava da seguinte forma: “Você, suas alegrias e tristezas, suas lembranças e ambições, seu senso de identidade pessoal e livre-arbítrio, na realidade não são mais que o comportamento de um imenso aglomerado de neurônios e moléculas a eles associadas. A pessoa que você é não é mais que um pacote de neurônios.” O trecho prossegue discorrendo sobre a base neural das decisões e afirmações, que “...embora pareça que temos livre-arbítrio, na realidade, nossas escolhas já estão predeterminadas e isso não pode ser mudado.” Outros participantes receberam um trecho sobre a importância de estudar a consciência, que também parecia ter um cunho científico, mas não mencionava o livre arbítrio.

Depois de ler os trechos, todos completaram uma pesquisa sobre sua crença no livre-arbítrio. Aí veio a parte inspiradora do experimento. Os participantes receberam instruções para resolver 20 problemas aritméticos que seriam mostrados na tela do computador. Mas quando aparecesse a questão, eles precisariam pressionar a barra de espaço, caso contrário, uma falha de programação mostraria a resposta na tela. Os participantes também foram informados de que ninguém saberia se eles haviam pressionado a barra de espaço ou não, e lhes foi pedido que não tentassem trapacear.
Os resultados foram claros: os que leram o texto contra o livre-arbítrio tentaram trapacear mais! Ou seja, pressionaram a barra de espaço menos vezes que os outros. Além disso, os pesquisadores descobriram que o número de tentativas de trapaça de um participante estava correlacionado com o grau de rejeição ao livre arbítrio encontrado nas suas respostas na pesquisa.

Formas de imoralidade

Alguns elementos do estudo, no entanto são questionáveis. Em primeiro lugar, o texto contra o livre-arbítrio apresenta uma perspectiva sombria, e isso seria suficiente para levar alguém a trapacear mais (“Mas se eu sou simplesmente um conjunto de neurônios, tenho mais com que me preocupar do que me comportar bem nesse experimento!”). Talvez fosse possível obter um maior número de trapaças se os participantes tivessem recebido um trecho defendendo o princípio de que toda vida sensitiva, será no final destruída na morte escaldante do Universo.

Por outro lado, os resultados se encaixam nas previsões de alguns filósofos. A concepção ocidental da idéia de livre-arbítrio parece ligada de modo indissolúvel ao nosso senso de responsabilidade ética, o sentimento de culpa pelas más ações e orgulho nas realizações. O que nos mantém responsáveis é exatamente pensar que nossos atos provêm do livre-arbítrio. Sob esse aspecto, não é surpresa que as pessoas tenham um comportamento menos ético quando passam a desacreditar no livre-arbítrio. Além disso, o resultado da pesquisa de Voh e Schooler se ajusta à idéia de que as pessoas se comportarão com menos responsabilidade se considerarem que seus atos estão além do seu controle. Se uma pessoa pensa que não há motivo para tentar ser bom, então estará menos propensa a tentar.

Se a descrença no livre-arbítrio resulta nesses efeitos nocivos, poderíamos pensar nos limites a que as pessoas chegariam. Então nos perguntamos se os efeitos vão além do domínio moral. Trapacear em um experimento psicológico não parece tão terrível. Certamente também, o experimento não levou os participantes que leram o trecho contra o livre-arbítrio a terem um surto de criminalidade. Nossa repulsa moral pelos atos de matar e ferir os outros provavelmente é muito sólida para ser destruída por reflexões sobre determinismo. No entanto, outros tipos de comportamento antiético, como colar nas provas, poderiam ser afetados pela rejeição ao livre-arbítrio.
Será um efeito permanente?

Outra questão é se o efeito é duradouro. O estudo de Voh e Schooler sugere que logo após desacreditarem no livre arbítrio, as pessoas passam a trapacear mais. Mas o que aconteceria se essas pessoas voltassem ao laboratório duas semanas depois? Poderíamos descobrir que continuariam não acreditando no livre-arbítrio, mas não enganariam mais.

Não há evidência concreta sobre essa questão, mas há uma evidência recente correlacionada a ela. Em uma pesquisa sobre determinismo e responsabilidade moral, o filósofo Hagop Sarkissian da City University de Nova Iorque e colegas - havia pessoas de Hong Kong, Índia, Colômbia e Estados Unidos - completaram uma pesquisa sobre determinismo e responsabilidade. O determinismo foi descrito em termos não-técnicos, e foi perguntado aos participantes - na prática - se nosso Universo é determinista e se as pessoas em um Universo determinista são moralmente responsáveis por seus atos.

Eles descobriram que, em todas as culturas, a maioria das pessoas respondeu que nosso Universo não é determinista e também que as pessoas não são responsáveis por seus atos em um Universo determinista. Embora isso não seja exatamente uma surpresa, pois as pessoas querem acreditar que têm livre-arbítrio. Quando se estuda um grupo menor de pessoas que considera o Universo determinista, aparece um dado muito interessante. Em todas as culturas, a minoria cética, que não acredita no livre-arbítrio mostrou maior tendência em afirmar que as pessoas são responsáveis, mesmo que o determinismo seja verdadeiro. Uma forma de interpretar esse resultado é que se chegarmos a acreditar em determinismo, não mudaremos nossas atitudes morais; simplesmente inverteremos nosso ponto de vista de que o determinismo exclui a responsabilidade moral.

Muitos filósofos e cientistas rejeitam o livre-arbítrio e embora não existam estudos sistemáticos sobre o assunto, atualmente não há porque pensar que filósofos e cientistas que negam o livre-arbítrio sejam, de modo geral, moralmente menos corretos que os que nele acreditam. Mas isso levanta ainda outra questão intrigante sobre a crença no livre-arbítrio. Pessoas que se declaram claramente contra o livre-arbítrio muitas vezes continuam a ser responsáveis por seus atos e a se sentir culpadas por agir de forma errada. Será que essas pessoas conseguem harmonizar suas atitudes com sua rejeição ao livre-arbítrio? Será que conseguem conciliar sua noção de culpa e responsabilidade de modo a realmente não dependerem da existência do livre-arbítrio? Ou será que em momentos críticos, quando estão tentando tomar decisões difíceis, tentando fazer o que é certo, voltam a acreditar que, no final das contas, eles têm mesmo livre-arbítrio?

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