Virar Ateu Faz Bem?

Dizem que religião é importante porque conforta as pessoas em momentos difíceis como a morte de um ente querido, dá incentivo para certas atividades -- conforme demonstram dizeres como "Com a graça de Deus eu vou conseguir", "Jesus vai abençoar essa prova", "O Deus Sol vai iluminar essa minha difícil jornada", etc. --, impede que gentes privadas de escolaridade e de noção das leis humanas cometam o mal, entre outros benefícios. Para essas pessoas com tal dependência de religião, o ateísmo é tudo de ruim, é algo que lhes roubaria a espiritualidade e não daria nenhuma "muleta psicológica" nova para compensar. Para elas, encarar uma realidade sem deuses pessoais, sem vida após a morte, é difícil demais, a conformação com essa realidade está a um nível muito além do limite de sua tão limitada zona de conforto psicológico. A própria filosofia do religioso comum não alcança a hipótese de o ente querido ter desaparecido para sempre da existência, não admite que pessoas consigam grandes proezas sem a ajuda de um deus. Por exemplo, para alguém que crê em Jesus, é impossível se tornar campeão nacional de xadrez, passar em primeiro lugar geral num vestibular muito concorrido, escrever um livro da qualidade de um best-seller, ser um general vitorioso contra exércitos agressores ou conseguir superar uma paralisia na perna sem medicação sem que haja o "Filho de Deus" símbolo de vitória o abençoando.


Já os ateus convictos conseguem ser filosoficamente emancipados o suficiente para largar a dependência do "andador" da religião e aceitar a dura realidade onde não existe nenhum deus pessoal onipresente os protegendo, onde vão morrer, acabar e deixar de existir, onde terão que contar exclusivamente com suas próprias forças e com o apoio das pessoas próximas em suas empreitadas de realização. O lado mais bacana da história é que eles invocam suas próprias forças, exercitam seu próprio poder pessoal -- psicológico, social, profissional e intelectual --, para vencer na vida. Para eles, aquela vitória no vestibular não foi obra de nenhum deus, e sim veio exclusivamente graças ao bom aprendizado do vestibulando, à sua estabilidade emocional e ao apoio dos familiares e dos amigos. Aquele campeonato que tal time de futebol ganhou foi graças ao bom nível técnico apresentado pelos jogadores, ao bom entrosamento entre eles, à maestria do técnico, à inteligência dos cartolas e à força de apoio da torcida, e é uma tolice sem tamanho atribuir à graça de um deus o triunfo de um único time de futebol em detrimento de dezenas de adversários, na prática "rejeitados" pelo mesmo deus. Aquela escalada de promoções de uma pessoa ao longo de cinco anos de emprego foi graças à sua competência superior e à sua boa relação com os níveis hierárquicos superiores. Aquela cadelinha já idosa que consegue recuperar quase que sozinha o movimento das patas conseguiu essa proeza graças à sua própria obstinação, à ajuda prestada por seus tutores e às vezes graças à medicação tomada. Enfim, o que leva os batalhadores ao sucesso não é nenhum deus, mas sim suas qualidades próprias, suas virtudes e o apoio do próximo.

Outros pontos positivos são: não há nenhum demônio de quem ter medo, nenhuma lei religiosa com o nível moral da Idade do Bronze para temer, não há nenhum medo de ser julgado no além por descrer naquele deus. E também, com a emancipação já citada, é muito mais fácil evoluir ao longo da vida como pessoa de força e mérito próprios.

Todavia, não é qualquer um que consegue essa emancipação da dependência de religiões. Virar ateu só faz bem de verdade para quem tem uma instrução escolar ou autodidática decente e condições psicológicas de desplugar sua filosofia da guia religiosa dogmática sem riscos de cair em desespero pela falta dos "pais imaginários". Seria péssimo e até trágico para um religioso fanaticamente apegado à religião se lançassem uma notícia extraordinária com a prova definitiva e irrefutável de que deuses não existem. O sujeito se mataria, já que não veria mais sentido numa vida sem eles. Se não ficou tão claro, imaginemos o exemplo de uma criança de dez anos que quer ir comprar algo na cidade grande. Se ela não sabe quais os ônibus que vão de sua comunidade para lá nem os que voltam, qual a parada de ônibus onde descer na cidade, quais as ruas mais seguras que levam à loja de destino, qual a parada que recebe os ônibus que voltarão para sua casa, etc. pode optar ou por ir com sua mãe que tudo sabe ou por perguntar às pessoas de sua vizinhança como ir sozinha para lá. Apenas se tiver uma criação que lhe deu certa independência de se guiar pelas ruas e a habilidade de consultar as pessoas transeuntes da maneira correta ela poderá ir sozinha. Caso não tenha esses conhecimentos e tente ir sozinha, irá se perder, lamentar muito, se desesperar e clamar incessantemente por sua mãe. Assim é a realidade: só quem tem o conhecimento emancipador poderá abrir mão da fé em sua antiga religião com relativa facilidade, e por outro lado quem não dispõe dele tenderá a sofrer muito e precisará voltar correndo para a velha realidade tutelada por seres superiores. Em outras palavras: virar ateu faz bem apenas para quem está preparado.


Robson Fernando

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